caçador de tesouros

VÍDEO: funcionário público se dedica à preservação de fósseis

José Mauro Batista


Foto: Renan Mattos (Diário)

O município de Mata, no Vale do Jaguari, ficou conhecido como "Cidade de madeira que virou pedra". Hoje, a cidade de 4,8 mil habitantes, localizada na Região Central do Estado, é referência internacional como reserva de fósseis vegetais e de animais. Parte desse acervo, estimado em 2,5 mil itens, que incluem peças arqueológicas dos primeiros habitantes da região, como utensílios domésticos e urnas funerárias com cerca de mil anos, está no Museu Municipal Padre Daniel Cargnin.

Mata é um museu a céu aberto, mas o reconhecimento de que a cidade é um importante sítio formado por troncos de árvores petrificadas e, também, local onde viveram ancestrais dos dinossauros e outros animais pré-históricos há 180 milhões de anos e 250 milhões de anos, só ocorreu no final do século passado, mais precisamente a partir da década de 80.

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Isso foi possível graças à insistência de um religioso que chegou a Mata em 1976. Natural de Nova Palma, na Quarta Colônia, também na Região Central, o padre Daniel Cargnin foi pioneiro na valorização dos fósseis encontrados em municípios do Centro do Rio Grande do Sul. Autodidata, padre Daniel ganhou respeitabilidade no meio científico, principalmente entre paleontólogos, ao provar, nos anos 1980, que a cidade era uma imensa floresta de pedra.

Juntamente com o padre, um agricultor nascido no interior do município também se tornou um caçador de tesouros, mais especificamente de dinossauros e árvores que viraram pedra. Claudio Salla Bortolaz, 58 anos, afirma ter encontrado tanto fóssil que já nem lembra. Seriam centenas, segundo ele, entre ossadas de animais quase inteiros e fragmentos de ossos.

Bortolaz e Cargnin percorriam propriedades no interior de Mata e de outras cidades da Região Central em busca de tesouros enterrados. No caso, fósseis de animais pré-históricos, madeira petrificada (encontrada em Mata e em São Pedro do Sul) e material arqueológico. A dupla de caçadores de dinossauros e de outros tesouros históricos se desfez em 2002, com a morte de padre Daniel.

Atualmente, Bortolaz atua como preparador de fósseis do museu que leva o nome de seu mestre. Além disso, faz as vezes de guia dos visitantes que vão ao local e é um dos guardiões da riqueza da "Cidade de madeira que virou pedra"

ONDE VER

  • O Museu Municipal Padre Daniel Cargnin fica na Rua do Comércio, 825, no centro de Mata
  • Possui um acervo com 2,5 mil itens de mais de 200 milhões de anos, incluindo fósseis de animais e de árvores que viraram pedra
  • Possui, ainda, em seu acervo, itens como urnas funerárias, vasos e facas fabricados por indígenas há cerca mil anos

Como visitar

  • De segunda a sexta-feira, das 11h às 17h, sem fechar ao meio-dia
  • Nos sábados, das 9h às 11h30min e das 13h às 17h
  • Nos domingos, das 13h às 17h
  • Excursões precisam agendar as visitas
  • Mais informações pelo fone 55-3259-1272


Foto: Renan Mattos (Diário)

TRÊS DÉCADAS DEDICADAS A DESCOBERTAS HISTÓRICAS
Funcionário da prefeitura de Mata há 34 anos e meio, Claudio Bortolaz virou um "caçador de dinossauros" há 30 anos. Em 1989, em Candelária, ele encontrou o úmero (maior e mais longo osso do braço) de um dicinodonte, um réptil que se alimentava de plantas e que habitou a região do Vale do Rio Pardo há mais de 200 milhões de anos. O fóssil raro desse herbívero foi encontrado na Sanga Becker e é um dos itens expostos no Museu Municipal.

Foi o primeiro achado de Bortolaz, que, a partir daí, encontrou centenas de fósseis, que ele até já perdeu a conta.

- Não lembro quantos achei. Foram tantos, vários ao longo desses anos todos, incluindo material completo, como fragmentos, ossos, crânios. Nunca contei, não cataloguei - afirma.

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Também em Candelária, a dupla de caçadores encontrou o esqueleto completo de um cinodonte, uma espécie de lagarto carnívoro de mais de 200 milhões de anos. Outra descoberta importante foi o da ossada de outro réptil, encontrada na beira da rodovia, em Paraíso do Sul, também em 1989. Bortolaz conta que só era possível ver apenas uma ponta da unha e do crânio do bicho pré-histórico, que estava enterrado há pouco mais de um metro de profundidade.

Um dos últimos achados ocorreu há cerca de quatro anos e teve a ajuda do deputado Marlon Santos, de Cachoeira do Sul. Trata-se de uma urna funerária feita de barro por indígenas tupis-guaranis, há cerca de mil anos. O material, segundo Bortolaz, foi encontrado em uma propriedade, no interior de Mata, e hoje é uma das peças do acervo arqueológico do Museu Municipal.


Foto: Renan Mattos (Diário)

SEM SUCESSOR
Bortolaz estudou até o Ensino Médio e conta que tudo o que aprendeu sobre fósseis se deve ao padre Daniel Cargnin, que se definia como um autodidata em paleontologia. O funcionário limpa os fósseis com uma espécie de pequena talhadeira semelhante a uma agulha e um martelo. Com essas ferramentas, o preparador de fósseis vai removendo uma casca em volta do material, tecnicamente conhecida como "concrescência calcária".

É, segundo ele, como se fosse uma espécie de sujeira, que tem que ser delicadamente retirada para não danificar a peça.

Como guia de visitantes no Museu Municipal, Bortolaz fala com desenvoltura e conhecimento sobre o acervo. Prestes a se aposentar, o caçador de dinossauros e preparador de fósseis não conseguiu encontrar um sucessor. Ele é um dos poucos especialistas na preparação de fósseis no Rio Grande do Sul.

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O secretário municipal de Cultura, Turismo e Paleontologia, Jeferson Saurin, lamenta que todo o conhecimento do sucessor do padre Daniel não seja repassado.

- Fico com um sentimento de perda porque ele vai se aposentar e isso, esse conhecimento, vai ficar com ele. É uma história perdida - diz Saurin.

Bortalaz bem que tentou ensinar crianças, "mas não deu certo". Ele chegou a ser convidado para trabalhar como preparador de fósseis em instituições de ensino superior, porém, acabou preferindo continuar em Mata.

Sobre a riqueza fossilífera da região, afirma que ainda há muito animal pré-histórico enterrado. O problema, segundo ele, é que não é uma tarefa fácil encontrar ossos de dinossauro.

- É preciso ter conhecimento, se não quem olha acha que é pedra. É preciso saber identificar o que é do que não é. É muito difícil achar o fóssil de um animal completo por causa da erosão, mas, com certeza, há muita coisa enterrada por aí - finaliza o caçador de dinos.


PADRE DANIEL CARGNIN, VISIONÁRIO E GUARDIÃO
As descobertas do padre Daniel Cargnin colocaram Mata no mapa turístico nacional na década de 1980. Em 1976, quando ele chegou à cidade, já tinha experiência acumulada como autodidata na área de paleontologia.  

Em Santa Maria, onde morou durante cinco anos, na década de 60, ajudou a organizar o Museu Vicente Pallotti. Também contribuiu com os acervoss de paleontologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em Mata, ele foi responsável pela valorização do patrimônio natural. Até então, os moradores da cidade desconheciam a riqueza existente no município. Incomodavam-se com as pedras, que, na verdade, eram árvores fossilizadas, com mais de 200 milhões de anos.

Acredita-se que o religioso e paleontólogo autodidata coletou mais de 80% dos fósseis da região de Mata hoje disponíveis.

- Era comum, quando estavam abrindo uma rua, encontrar aquele monte de pedra. Como ninguém sabia o que era, não era dado o devido valor - explica o secretário municipal de Cultura, Turismo e Paleontologia, Jeferson Saurin.

Maior reserva em área delimitada de fósseis do Brasil, Mata é um imenso museu a céu aberto. Três dos principais espaços públicos da cidade, a Praça Nossa Senhora Medianeira, a Praça Martimiano Eggres da Costa e a Praça Santo Brugalli, têm escadarias e bancos de madeira fossilizada. Uma delas, a Martimiano Eggres, nas proximidades da Igreja Evangélica Luterana, ostenta um imenso tronco com 11 metros de comprimento e um metro de espessura, pesando 15 toneladas.

A 900 metros do centro, na Rua do Sertão, 67, está o Jardim Paleobotânico de Mata, uma área de 3,6 hectares, descoberta em 1976 pelo padre Daniel Cargnin. No local, há uma variedade de fósseis de madeira petrificada.

Em 8 de junho do ano passado, essa reserva natural foi tombada como Patrimônio Estadual pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae).

Segundo o economista e professor Abdon Barretto Filho, diretor de Turismo da Secretaria Estadual de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, o tombamento do Jardim Paleobotânico de Mata é um reconhecimento aos esforços de preservação da riqueza do município e da Região Central do Estado.

- O Jardim é o grande atrativo do turismo paleontológico no mundo - define Abdon, que, em 1988, idealizou o primeiro roteiro cultural, científico e paleobotânico do Brasil, com visitas aos museus e sítios autorizados em Santa Maria, São Pedro do Sul e Mata.

Para Abdon, o tombamento estadual é um passo importante para que o Jardim Paleobotânico de Mata seja reconhecido como Patrimônio Histórico Nacional e como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Quanto mais reconhecimento tiver essa reserva, maior a possibilidade da destinação de verbas para desenvolver o turismo no município e na região.

Abdon foi o idealizador de uma campanha para transformar a área em Patrimônio Natural da Humanidade.

O lançamento ocorreu em 27 de setembro de 1984, em um evento que teve um concerto da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

O reconhecimento estadual demorou três décadas após a formalização do pedido pela prefeitura.

Prefeitura pretende construir um centro de pesquisa em jardim tombado pelo Iphae
Na década de 80, Mata viveu um auge no turismo por conta da divulgação feita em cima das descobertas do padre Cargni, a quem é atribuída a preservação de boa parte dos fósseis encontrados no município. Hoje, porém, a cidade já não recebe tantos visitantes como antigamente, o que é atribuído, em parte, à falta de divulgação. 

- Recebíamos de 10 a 12 ônibus por dia. Houve esse crescimento, pelas descobertas, mas hoje o turismo responde por muito pouco na economia municipal - diz o secretário de Cultura, Turismo e Paleontologia, Jeferson Saurin.

Nos tempos áureos, a cidade recebia uma média de 20 mil visitantes por ano. Esse número, atualmente, é estimado entre 10 mil e 12 mil por ano. Saurin acredita que os eventos municipais, públicos e privados, ajudam a divulgar o município. Por isso, a prefeitura apostou no Festival de Balonismo, que teve sua primeira edição este ano.

- Também temos a Festa de Santo Antônio, a Festa de Madre Paulina, os kerbs, o Rodeio Municipal e o Trilhão. Mata tem cascatas e trilhas para desenvolver o turismo ecológico - destaca o secretário.

A grande aposta da administração municipal, no entanto, é na construção de um centro de pesquisa no Jardim Paleobotânico. Para essa obra, o Executivo municipal reivindica uma verba de R$ 250 mil.

A construção do centro de pesquisa faz parte de um projeto maior para desenvolver o turismo local, encaminhado pela prefeitura ao Ministério do Turismo reivindicando recursos federais. Mata se enquadraria nos municípios aptos a pedir até R$ 3,5 milhões, mas o valor disponibilizado será de R$ 1,7 milhão. Na segunda-feira, o secretário Jeferson Saurin irá a Porto Alegre para se reunir com a direção do Badesul, instituição que tem a linha de crédito para esse tipo de programa de desenvolvimento.

Pela proposta, Mata deverá receber R$ 1,2 milhão este ano, e R$ 500 mil, em 2020. O dinheiro será destinado a projetos específicos como sinalização das ruas, iluminação pública, restauração de prédios históricos e aquisição de máquinas e equipamentos rodoviários para melhorar a infraestrutura da cidade.

- Falta divulgação, mas não adianta trazermos turistas se não temos como recebê-los - diz Saurin, referindo-se à necessidade de melhoria da infraestrutura turística local.

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